Alpedrinha, como qualquer povoação portuguesa esteve bastante isolada dos mercados nacionais, nomeadamente Lisboa, até à segunda metade do séc. XIX devido à inexistência de vias de comunicação. O que verdadeiramente podemos chamar de estradas (estradas macadamizadas) só chegaram a esta vila por volta de 1860, cerca de 30 anos antes do caminho de ferro. Em 1849 tinha começado efectivamente a construção dessas estradas a nível nacional, mas apenas com a mudança política dos governos da “regeneração”, esse esforço tornou-se consistente produzindo resultados visíveis nas décadas seguintes por todo o país.
No entanto, se recuarmos aos finais do séc. XVIII, foi com D. Maria I que houve a preocupação de se repararem e alinharem as estradas e caminhos existentes ou construirem novos, embora esse esforço caisse por terra devido às dificuldades que o país sofreu no início do séc. XIX, a «guerra das laranjas» e as invasões francesas, entre outras. Em outra ocasião teremos oportunidade de abordar com mais pormenor o que acabamos de escrever.
Assim, gostariamos de nos concentrar nas denominadas estradas ou caminhos que existiam antes de D. Maria I, em pleno séc. XVIII. Para isso vamo-nos auxiliar do dicionário geográfico de Luiz Cardoso, cujo primeiro volume foi editado em 1747. Patrocinado pela Academia Real de História, foram ordenados três inquéritos, “o primeiro das terras, o segundo das serras, e o terceiro dos rios”, que seriam respondidos pelos párocos das freguesias, provavelmente porque conheceriam melhor os lugares e as gentes, afim de se poder elaborar aquele grande dicionário, que infelizmente não passou do segundo volume. No entanto, os inquéritos foram respondidos pelos párocos e enviados para Lisboa, permanecendo hoje na torre do Tombo e aos quais temos acesso por internet.
Embora não faça referência directa às estradas ou caminhos dos povoados é curiosa a 4ª questão:
“4 Se está situada em campina, valle, ou monte, e que povoações se descobrem della?”
Para felicidade nossa, a resposta do vigário frei TeodozioRoiz Peralta foi muito interessante porque ao contrário dos seus pares, ao mencionar as povoações que se avistam de Alpedrinha, teve o cuidado de alistar as estradas e caminhos que levavam a esses povoados. Será que ainda conseguimos identificar essas estradas hoje? Houve grandes mudanças na vila e provavelmente alguns desses caminhos deixaram de ser usados até por via da construção da estrada real de macadame (agora nacional 18). Bem, após um trabalho de campo algo minucioso, bem como através de consulta bibliográfica e cartográfica da época, conseguimos identificar ainda os diferentes caminhos a que o vigário se refere. Mas comecemos por transcrever o que ele registou no inquérito ao responder à referida questão:
“Está situada nas faldas de hum cotovelo, que para as partes do Poente lansa a serra, mas na declinação para Nascente tão superior à grande campanha, que descobre, que havendo por muytas partes della serras e outeiros, tudo parece raso, e lhe fica sugeito avista desde o Nascente athé ao Sul, e das janellas de suas cazas, as povoaçõez seguintez – Val de Prazeres que dista desta villa huma legoa – e da Cortiçada huma legoa e hum quarto – tomando a estrada de Péna macor se avista – o lugar do Pedrogão, que dista quatro legoas, - e das Agoaz quatro legoas e meya – e de Aldeya do Bispo sinco legoas – e o das Aranhas sette legoas; tomando pella estrada de Monsanto logo se avista – Monte da Martim Annez que dista desta Alpedrinha trez legoas – Aldeya de Santa Margarida quatro – a villa de Bemposta quatro – o lugar de Medelim pouco mais de quatro, - e a ditta vila de Monsanto sinco – e a de PennaGracia seis legoas; tomando a estrada para a Praça de Salvaterra logo se avista o lugar da – orca que dista desta villa de Alpedrinha duas legoas – a villa de Proensa a velha quatro legoas – a de Idanha a velha sinco – o lugar de Alcafozes seis – os Toulois sette – e a ditta Praça de Salvaterra nove legoas – a de Segura outo legoas – a villa da Zibreira outo legoas; e tomando o caminho que vay para a villa de Rosmaninhal se avista – a villa de São Miguel Dacha que dista desta de Alpedrinha tres legoas – o Lugar do Oledo que dista quatro legoas – e a villa de Idanha a nova suposto se lhe não vê senão a serra sinco legoas – o lugar de Ladoeio sette – e a ditta villa de Rosmaninhal dista nove legoas; e tomando o caminho que vay para Monforte de Castello Branco se avista logo – o lugar da povoa d Attalaya que dista desta de Alpedrinha huma legoa – a villa de Attalaya outra legoa – o lugar das Zebras duas legoas – o lugar de Escallos de Sima trez legoas – o de Escallos de baxo pouco mais de trez legoas; - o lugar da Louza trez legoas e meya – e o ditto lugar de Monforte sette legoas; e tomando as estradas que vão desta villa de Alpedrinha para Alem Tejo se avista – o lugar da Lardoza que dista desta villa duas legoas – o de Alcainz trez legoas – o da Povoa de Rio de Moinhos trez legoas – o de Cafede quatro legoas – e a villa de Castello Branco sinco legoas e passando o Tejo – a villa de Castelo de Vide que dista quatorze legoas – e a villa de Marvão que dista desta Alpedrinha dezaseis legoas; e ultimamente se avista em toda a circunferencia desta campanha as serras i Raya de Castella desde a Praça de Marvão atte o lugar das Aranhas termo da villa e Praça de Pennamacor.”
Auxiliando-nos de uma tabela podemos elencar as estradas e caminhos da seguinte maneira:
Nome da estrada/caminho | Localidades | Distância em léguas |
Vale de Prazeres | Vale de Prazeres | 1 légua |
Cortiçada | 1 légua e ¼ | |
Penamacor (estrada) | Pedrógão | 4 |
Águas | 4 e ½ | |
Aldeia do Bispo | 5 | |
Aranhas | 7 | |
Monsanto (estrada) | Martianas | 3 |
Aldeia de Santa Margarida | 4 | |
Bemposta | 4 | |
Medelim | mais de 4 | |
Monsanto | 5 | |
Penha Garcia | 6 | |
Praça de Salvaterra (estrada) | Orca | 2 |
Proença-a-Velha | 4 | |
Idanha-a-velha | 5 | |
Alcafozes | 6 | |
Toulões | 7 | |
Salvaterra | 9 | |
Praça de Segura | 8 | |
Zebreira | 8 | |
Rosmaninhal (caminho) | S. Miguel D' Acha | 3 |
Oledo | 4 | |
Idanha-a-Nova | 5 | |
Ladoeiro | 7 | |
Rosmaninhal | 9 | |
Monforte (caminho) | Póvoa da Atalaia | 1 |
Atalaia | 1 | |
Zebras | 2 | |
Escalos de Cima | 3 | |
Escalos de Baixo | mais de 3 | |
Lousa | 3 léguas e ½ | |
Monforte | 7 | |
Estradas do Alentejo (2) | Lardosa | 2 |
Alcains | 3 | |
Póvoa de Rio de Moinhos | 3 | |
Cafede | 4 | |
Castelo Branco | 5 |
Com esta tabela podemos verificar com mais facilidade alguns dados. Desde logo, a primeira estrada ou caminho não é mencionado como tal, uma vez que ficava muito perto da vila e fazia parte do seu termo (concelho) e o autor achou desnecessário referi-lo. Ademais, é a mesma estrada que vem a seguir. Por isso, mencionou apenas que Vale de Prazeres ficava a uma légua de distância da vila e a Cortiçada logo a seguir. Hoje chega-se a Vale de Prazeres pela estrada nacional nº 18, cortando depois à direita em plena serra. Mas não é a esta estrada que o autor se referia, pois não existia nos seus dias. Refere-se sim à estrada que partia do largo do Rossio (actualmente por baixo do viaduto da E.N. 18 junto ao cruzeiro; lembremo-nos que a abertura da estrada nacional fêz subir o solo da vila para estar ao nível daquela), subia os barreiros e enveredava pelo estrada que passa junto à quinta do anjo da guarda da parte de baixo e segue até Vale de Prazeres. De acordo com Mota era também por esta que se dirigiam à antiga capela do anjo da guarda, já desaparecida (não confundir com a actualmente existente), o que a gravura ao lado representa muito bem. Observando com atenção, no lado esquerdo da estrada que sai para Vale de Prazeres e Cortiçada, situa-se uma capela com o nome de S. Miguel Arc. ( correspondente de acordo com a tradição católica ao anjo da guarda.)